quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Porquê do Nome.

Fotografia Naturalista para Estudantes das Artes. Por quê?

Em 1889 comemorava-se os 50 anos do anúncio oficial da criação da fotografia. O Daguerreótipo, invenção que marcou o aparecimento público do processo na França e no mundo, já era obsoleto e pouco utilizado. A fotografia ocupava espaço entre as ferramentas mais utilizadas em áreas tão diferentes quanto a pesquisa astronômica e a produção comercial de retratos. É também em 1889 que George Eastman abre os portões para uma multidão de amadores que antes não tinha acesso a câmeras e filmes; os processos fotográficos até então eram de difícil manuseio e muito caros para serem usados pelo público em geral. Nos campos da filosofia e das artes os movimentos naturalistas, de negação e repúdio ao fazer científico, de ressentimento com a incapacidade do progresso industrial de acabar com as diferenças entre ricos e pobres estão “pegando fogo”.

Justo nessa época, em 1889, P.H. Emerson (1856-1936), um ex-cirurgião que abandonara a medicina para se dedicar à fotografia publica um trabalho de título "Fotografia Naturalística para Estudantes da Arte", um dos mais lidos e controversos de seu tempo.


Ao que parece, Emerson tinha objetivos bastante claros ao escrever a obra: questionar tanto o conteúdo quanto a forma utilizados pelo fotógrafos mais influentes da época, além de propor o seu método fotográfico a fim de elevar a fotografia ao status de arte. Por um lado, Emerson criticava o trabalho de expoentes como Henry Peach Robinson e O.G. Rejlander, acusando-os de praticar uma fotografia que quando muito copiava estilos da pintura. Seu livro pode mesmo ser considerado uma resposta ácida e afiada, ainda que indireta, ao escrito por Robinson em 1869 : “Efeito Pictórico em Fotografia.” Por duas décadas esse foi o livro mais influente compêndio sobre prática e estética fotográficas na Inglaterra. Emerson era radicalmente contra recriações de pinturas com a câmera fotográfica e afirmava: “Fotografem as pessoas como elas realmente são - parem de travestí-las com fantasias. (...) A técnica fotográfica é perfeita e não precisa desse tipo de (...) incompetência.” Além disso, Emerson também detestava os retoques de negativos e cópias, dizendo que era “o processo através do qual uma fotografia boa, má ou medíocre é convertida em um desenho ou pintura ruins.”

Ele também afirmava que o fotógrafo deveria imitar o funcionamento do olho humano em suas fotografias. Citando o trabalho de médicos e notando que os olhos não vêem uma cena toda em foco ao mesmo tempo, mas que focalizam seletivamente a cena que está diante deles, Emerson aconselhava o uso de foco seletivo, difusão periférica, escala tonal de baixo contraste e a subordinação de detalhes supérfluos. Tudo de maneira a mimicar a percepção visual humana nas fotografias. Em suas palavras: “Nada na natureza tem contornos duros, pelo contrário, todas as coisas são vistas sobre outras, e todos os contornos desaparecem gentilmente uns nos outros, muitas vezes tão sutilmente que você não consegue distinguir onde um termina e o outro começa. Nessa decisão e indecisão misturadas, nesse achar e perder está todo o charme e mistério da natureza.”


Curiosamente, apenas um ano após a primeira edição de seu livro, Emerson mudou de idéia quanto ao status da fotografia como arte. De fato, seu propósito inicial e maior sempre foi defender o processo fotográfico como uma das grandes artes, mas somente se todo e qualquer controle técnico estivesse à disposição do fotógrafo. Infelizmente, pesquisas feitas por cientistas e testadas pelo próprio Emerson mostraram que a escala tonal do negativo não podia ser ajustada de acordo com a vontade de fotógrafo após a exposição. Essa (im)possibilidade de ajuste na revelação era um de seus argumentos para defender o processo fotográfico como artístico. Sem ele, toda sua argumentação caía por terra. No fim do ano de 1890, Emerson publica um panfleto entitulado “A Morte da Fotografia Naturalista”. Em um dos trechos do panfleto lê-se: “As limitações da fotografia são tantas que, apesar dos resultados serem capazes de e às vezes realmente dão um certo prazer estético, o meio deverá sempre ser graduada com a mais baixa das artes.”

Mesmo assim, Emerson prosseguiu fotografando e publicando livros fotográficos, apesar de retirar qualquer referência à fotografia como arte quando da terceira edição de seu livro. De um modo e não de outros, Emerson influenciou em muito o movimento pictorialista fotográfico - grande parte das convenções adotadas por eles estão de acordo com seus métodos e pontos de vista - e certos autores dizem que seu livro marca a inauguração do movimento. Mesmo assim, os fotógrafos pictorialistas formavam um movimento de defesa da fotografia como arte, e usavam pesadas manipulações e retoques como forma de caracterizar cada cópia como única, da mesma forma como ocorre com outras obras de arte. Essas manipulações eram também uma maneira de protestar contra a padronização dos processos fotográficos causada pela industrialização da fabricação de filmes e papéis. (mais sobre pictorialismo em post futuro)


Uma coincidência: o primeiro prêmio ganho por uma fotografia de Alfred Stieglitz em um concurso foi dado por Emerson. Stieglitz viria a se tornar o presidente do mais influente grupo pictorialista americano, o PhotoSecession, responsável inclusive pelos avanços e modificações nos métodos e assuntos pictorilistas, que acabaram ajudando a por fim no movimento por volta de 1920.


Estamos em 2010 e a fotografia como nós conhecemos, em muitas instâncias já não é mais. Novas câmeras de uso simples e de baixo custo, incluindo aí telefones celulares, espalham o gosto de fotografar para milhões de pessoas. A internet abre a possibilidade de que essas imagens sejam compartilhadas publicamente. Todo o processo fotográfico de manipulação, antes restrito a profissionais e laboratoristas, passa a estar disponível aos amadores que tenham um computador. Não é preciso ser um mago do Photoshop, há programas simples e acessíveis onde pode-se ajustar e manipular imagens; algumas câmeras já vêm com certos recursos de manipulação e ajustes. Fotografa-se mais hoje do que em qualquer outra época. Os profissionais se sentem algo acuados com essa invasão, reclamando de uma visualidade medíocre e do fato de que hoje em dia qualquer um se diz fotógrafo. Esses mesmos profissionais pesquisam a fundo métodos de manipulação de imagem cada vez mais complexos, que por um lado permitem produzir imagens mais sofisticadas do que qualquer amador jamais poderia imaginar, e por outro acabam por redefinir parâmetros técnicos, de produção e estéticos. Essas imagens ficam cada vez mais parecidas umas com as outras, a ênfase muito mais na técnica de manipulação utilizada do que no conteúdo e na forma do registro. Imita-se talvez uma estética baseada nas imagens publicitárias, de alto impacto superficial, mas com conteúdo aprofundado pobre. Em algum lugar, os pictorialistas do passado estão observando isso tudo e sorrindo, ou não. Em algum lugar, é provável que um descendente indireto de P.H. Emerson esteja preparando um texto seminal para orientar esse povo todo. Estamos em 2010? Ou novamente em 2010? : )

visualize e baixe o livro de Emerson na íntegra aqui

links interessantes sobre Emerson:

www.luminous-lint.com/app/photographer/Peter_Henry__Emerson
people.netcom.co.uk/j.stringe/page3.html
www.rleggat.com/photohistory/history/emerson.htm

Um comentário:

  1. Caro André, o nome não poderia ser mais apropriado.
    Creio que esse texto toma ares de manifesto que deveria ser ampliado. Temos que tentar valorizar os que tentam colocar nas suas fotografias as suas idéias e sentimentos, acabar com essa volta ao passado e apenas se preocupar com as transformações da imagem per si.
    Na verdade com tantas possibilidades técnicas que temos hoje, fica limitado apenas cuidar da manipulação, temos sim que usá-la de forma a deixar a nossa comunicação com o mundo bem melhor.
    Abraços
    Ed

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